sábado, 24 de setembro de 2011

Hipocrisia (Stefano Aita)

Faço desta minha elegia
Uma efusão de sentimentos
canto o fim da falsidade
E não me faltam argumentos

Me tomaram por ingênuo
Vem-me à tez um torpor
Era homem, era ator?
Onde se esconde aquele
Que antes falou de amor?

Cometeu senão perjúrio
Aos seus pés (do erudito)
Largou ao chão [com toda pressa
Estilhaçou-se a promessa
Como se nada fosse dito

Mas encontrando na palavra
(e é assim que faz poesia)
significado que não carrega
Não seria, o poeta
inventor da hipocrisia?

sábado, 17 de setembro de 2011

sempre fui encantado por você... mas desculpe por não ter sido infinito...

Soneto de Fidelidade

Vinicius de Moraes


De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Sabe aquela histótia... caiu na internet...

Teresinha de Jesus que da queda não levantou

anteontem
um menino inda sem barba na face
vestindo uma camisa encharcada
de suor
me passou nos cabelos e
no rosto suas mãos sujas e carinhosas
e não me disse palavra
mas me mostrou
seus dentes

ontem
um moço aprumado – usava
sapato e gravata e um anel - me envolveu o pescoço
com suas mãos dedos unhas e
língua
e me disse umas palavras
e tragou o meu perfume

hoje
um rapaz púbere
aqui na cerca de casa bateu palmas
e entrou
atravessou o jardim e pisou nas margaridas - que eu plantei e não colhi –
sentou-se na mesa misturou o feijão e
o arroz e mastigou uns bocadinhos de carne e
me arrancou o avental do corpo mais as vestes que eu trajava mais o seu cinto
a sua calça a sua camisa de botões nunca alinhados e por fim suspirou e
me chamou surpreendentemente de
amor


o que eu respondi? sequer sus
pirei
fiquei pensando no meu corpo
estirado
naquela cama meu corpo que sou eu meu corpo: duas pernas
duas mãos
meu corpo que é feito de osso e pensamento e
carne
corpo meu corpo que tem um nariz assim mais
dois olhos e
dois pés – que me aguentam – mais uma boca
oca

(thainá czapla)

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

CERTEZA (Affonso Romano de Sant'Anna)

Quero
a certeza, a certeza
da fera
que dispara,
abate a presa
e banqueteia
sobre a relva ou mesa.

A certeza firme,
embora peregrina,
dos que cegamente rezam
montanha acima.

A certeza
do carrasco
na guilhotina. A certeza
desabalada
da manada
estourando na campina,
a certeza do mau poeta
com suas rimas.
A certeza
além da lógica formal.
A certeza industrial
que liga e desliga
os conceitos
de bem e mal.

Ao contrário
- vacilante e intranqüilo -
sou o caçador cujo gatilho
espanta a caça
antes do tiro,
dançarino de pés mancos
que desaba aos trancos
sobre o palco,
ladrão
que devolve em dobro
o roubo
- antes do assalto.

A certeza, sei, é desumana,
é carapaça, couraça, verniz, mentira, máscara
e incapacidade
- de viver o drama.
Mas, às vezes, gostaria
de ter a estúpida e feliz certeza
do ditador no trono.
A certeza, por certo, causa dano
mas é aspiração confessa
de quem, nietzshiano, se cansa
de ser humano,
- demasiadamente humano.

domingo, 17 de julho de 2011

Estava com saudades de Adélia prado

Só o Tempo e muita Fé.

Em vão procuro
Palavras leves
Que suavize o momento.
Não quero dor ou tristeza,
Desalento e saudade.
Tudo isto esta no ar.
Quero falar de Fé,
Esperança, recomeço.
Palavras que soam fracas
Tamanha a destruição.
Mas a vida continua...
Não adianta chorar,
Novo dia vai surgir
Trazendo raios de sol.
O Tempo agora é o amigo,
Que no seu correr implacável
Apazigua a descrença
Acalenta o coração.
Ajuda na caminhada.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

123º Aniversário de Fernando Pessoa

ANÁLISE

Tão abstrata é a idéia do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a idéia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.

Fernando Pessoa, 12-1911

O olhar (Mário Quintana)

"O último olhar do condenado não é nublado
sentimentalmente por lágrimas
nem iludido por visões quiméricas.
O último olhar do condenado é nítido como uma
fotografia:
vê até a pequenina formiga que sobe acaso pelo rude
braço do verdugo,
vê o frêmito da última folha no alto daquela árvore,
além ...
Ao olhar do condenado nada escapa,
como ao olhar de Deus
-um porque é eterno,
o outro porque vai morrer.
O olhar do poeta é como o olhar de um condenado...
como o olhar de Deus..."